A Ética Protestante e o Espírito Capitalista

As origens do espírito capitalista

"Weber formula logo no início de A Ética Protestante um problema de ordem estatística: o facto de na Europa moderna «os principais homens de negócios e proprietários do capital, assim como os operários qualificados de nível mais elevado e, de modo particular, o pessoal de elevadas qualificações técnicas e comerciais das empresas modernas, serem na sua grande maioria protestante».

" O protestantismo adopta uma atitude muito rígida em relação ao prazer e aos divertimentos - fenómeno particularmente pronunciado no calvinismo. Podemos portanto tirar a conclusão de que é a natureza específica das crenças protestantes que explica a relação entre protestantismo e o racionalismo capitalista".Justificar completamente

"A novidade da interpretação de Weber não consiste no facto de sugerir que há uma relação entre a Reforma e o capitalismo moderno. Muitos outros autores anteriores a Weber tinham já feito a mesma constatação. Por exemplo, a explicação marxista, deriva em grande parte dos escritos de Engels, afirmava que o protestantismo era o reflexo ideológico das mudanças económicas concomitantes com os primórdios do desenvolvimento do capitalismo. A obra de Weber começa de forma aparentemente anómala, rejeitando essa explicação para apresentar uma outra, e é nessa interpretação que reside a verdadeira originalidade de A ética protestante.
Verifica-se geralmente que as pessoas que dedicam a sua vida a actividades económicas e à obtenção do lucro são ou indiferentes à religião, ou até mesmo hostis a ela, na medida em que as suas acções visam exclusivamente o mundo material, enquanto que a religião se interessa apenas pelo mundo não-material. O protestantismo, porém, longe de se desinteressar do controlo das actividades quotidianas, exigia aos seus aderentes uma disciplina muito mais rígida do que o catolicismo, injectando assim um elemento religioso em todos os aspectos da vida do crente".

Weber define assim as principais características do espírito do capitalismo moderno: «A aquisição de cada vez mais dinheiro, combinada com uma privação severa de todo o prazer espontâneo... é considerada como um fim em si, o que, do ponto de vista da felicidade ou utilidade para o individuo propriamente dito, parece ser transcendente e irracional. O homem considera a aquisição como o propósito dominante da sua vida; a aquisição deixa de ser um meio para satisfazer as suas necessidades materiais.

A influência do protestantismo ascético

"Foram seitas protestante posteriores (ao Luteranismo), que Weber inclui na categoria geral de protestantismo ascético, que desenvolveram esse conceito de vocação".
"A parte mais importante da análise é dedicada ao calvinismo: não só às doutrinas de Calvino propriamente ditas, mas também às que foram preparadas pelos seus discípulos no fim do século XVI e no século XVII.
Após estas considerações preliminares, Weber passa a referir os três aspectos da doutrina calvinista que considera fundamentais. O primeiro é a doutrina de que o universo foi criado para maior glória de Deus, e que só tem significado em função dos propósitos divinos. «Deus não existe para os homens, mas os homens para Deus». O segundo é o principio que afirma que os desígnios do Todo-Poderosos estão para além da compreensão dos homens. Os homens só podem conhecer os pequenos pedaços de verdade divina que Deus se digne revelar-lhes. O terceiro é a crença na predestinação: só um pequeno número de homens foram predestinados para a salvação. A salvação foi irrevogavelmente destinada no primeiro momento da criação; não é afectada pelas acções humanas, pois uma tal suposição equivaleria a pensar que o juízo divino poderia ser influenciado pelas acções dos homens".
"Neste aspecto todo o homem estava sozinho; ninguém, padre ou leigo, podia interceder por ele junto de Deus para lhe alcançar a salvação".
"Não só aqueles a quem Deus negara a sua graça deixavam de dispor de meio mágicos para a alcançar, como ainda não havia quaisquer meios para tal".
"O calvinista, vivia, pois, numa incerteza terrível. Não havia na sua religião resposta possível para a pergunta decisiva que todos os crentes mais tarde ou mais cedo deveriam formular - serei eu um dos escolhidos?
Devido à pressão pastoral formam acrescentados aos ensinamentos de Calvino os dois pontos seguintes: em primeiro lugar, o individuo tinha a obrigação de se considerar a si mesmo como um dos eleitos, pois o contrário seria das mostras de uma fé imperfeita e portanto de falta de graça; em segundo lugar, a melhor maneira de alimentar a indispensável confiança consistia em desenvolver uma actividade profana intensa. As boas obras passaram assim a ser consideradas como um sinal de eleição - não porque constituíssem um método de alcançar a salvação, mas porque eliminava as dúvidas sobre elas".
"O calvinismo atribui assim ao trabalho no muno material em elevado valor ético. A posse de riquezas não isenta nenhum homem do dever de se dedicar com ardor ao trabalho que a sua vocação lhe designa. A acumulação da riqueza só é condenada na medida em que pode tentar o homem a levar uma vida ociosa; porém, quando a riqueza é adquirida através do cumprimento ascético do dever designado pela vocação, não só é tolerada, como ainda se reveste de valor moral. Desejar ser pobre é o mesmo que desejar ser doente, argumentavam os calvinistas; é condenável tanto do ponto de vista da glorificação das obras, como da de Deus".
"Temos pois de procurar as origens do espírito capitalista na ética religiosa característica do calvinismo. É dessa ética que derivam as qualidade únicas que distinguem as atitudes que estão na base da actividade capitalista moderna do carácter amoral da maioria das formas anteriores de aquisição de capital".
"Aquilo que para o puritano era submissão Às ordens divinas transformou-se, no mundo do capitalismo contemporâneo, numa conformidade mecânica às exigências económicas e de organização da produção industrial, a todos os níveis da hierarquia da divisão do trabalho. Weber rejeita a sugestão de que a ética puritana continuaria a ser uma das componentes necessárias ao funcionamento do capitalismo moderno, após este ter atingido grandes dimensões. Pelo contrário, a conclusão específica de A ética protestante é a de que, se a fé religiosa do puritano o levava a dedicar-se às tarefas que lhe eram ditadas pela sua vocação, o carácter especializado da divisão do trabalho capitalista obriga o homem moderno a fazer o mesmo".
«Hoje em dia, o espírito fugiu da sua gaiola, não sabemos para onde. De resto, o capitalismo vitorioso, que assenta hoje em dia em bases mecânicas, não precisa já desse esteio.. e a ideia do cumprimento do dever na vocação assombra a nossa vida como o fantasma de crenças religiosas mortas».
O principal mérito da obra consiste, segundo Weber, em ter demonstrado que o instrumentalismo moral do espírito do capitalismo constitui consequência involuntária da ética religiosa de Calvino, e de um modo mais gerla da concepção da vocação do homem no mundo que o protestantismo foi contrapor ao ideal monástico do catolicismo.
A ética protestante demonstra que há uma afinidade electiva entre o calvinismo, ou antes, entre certas crenças calvinistas e a ética económica da actividade capitalista moderna. O principal interesse da obra consiste no facto de esta tentar demonstrar que a racionalização da vida económica que caracteriza o capitalismo moderno se relaciona como compromissos de valor irracionais.
Weber afirma enfaticamente que a matéria analisada em A ética protestante permite eliminar a doutrina do materialismo histórico ingénuo, segundo a qual ideias como as que se exprimem na doutrina calvinista seriam meros reflexos de condições económicas. «temos de nos libertar» diz Weber, «da opinião de que seria possível deduzir a Reforma, como uma evolução historicamente necessária, das mudanças económicas». Weber não tenta, porém, propor uma outra teoria que se substitua a essa concepção do materialismo histórico, que rejeita: como Weber tenta demonstrá-lo nos seus ensaios metodológicos, que datam quase do mesmo período de A ética protestante, é impossível formular uma tal teoria".

A. Giddens, Capitalismo e Moderna Teoria Social

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